Confidência do Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
Esse alheamento da vida é porosidade e
comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa ou trabalha,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e
[sem horizontes.
E hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe diversas agenda que ora o de pagamento:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do antigo santuário Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa ...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
ANDRADE, CD Poesia completa .
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.
Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movimento modernista brasileiro. Com seus poemas, penetra fundo na alma do Brasil e trabalha poeticamente os dilemas humanos. Sua poesia é feita de uma relação tensa entre o universal e o particular, como se percebe claramente na construção do poema Confidência de Itabirano. Tendo em vista os procedimentos de construção do texto literário e como as concepções artísticas modernistas, concluímos que o poema acima: