(UFPB) Um dia,o Simão me chamou: – “Vem ver. Olha ali”. Era uma mulher, atarracada,descalçada, que subia o caminho do morro. (Diante do Sanatorinho haviaum morro. Os doentes em bom estado podiam ir até lá em cima, pela manhãe à tarde.) Lembro-me de que, de repente, a mulher parou e acenou parao Sanatorinho. Não sei quantas janelas retribuíram. E o curioso é que,desde o primeiro momento, Simão saltou: – “É minha! Vi primeiro!”.
Uns oitenta doentes tinham visto, aomesmo tempo. Mas o Simão era um assassino. Como ele próprio dizia, semódio, quase com ternura, “matei um”. E o crime pretérito intimidava osdemais. Constava que trouxera, na mala, com a escova de dentes, aschinelas, um revólver. Naquela mesma tarde, foi para a cerca, esperar avolta da fulana. E conversaram na porteira. Simão voltou, desatinado.Conversara a fulana. Queria um encontro, na manhã seguinte, no alto domorro.
A outra não prometera nada. Ia ver, iaver. Simão estava possesso: – “Dez anos!”, e repetia, quase chorando: –“Dez anos não são dez dias!”. Campos do Jordão estava cheio de casosparecidos. Nada mais cruel do que a cronicidade de certas formas detuberculose. Eu conheci vários que haviam completado, lá na montanha,um quarto de século. E o próprio Simão falava dos dez anos como sefosse esta a idade do seu desejo.
Na manhã seguinte, foi o primeiro aacordar. (…) Havia uma tosse da madrugada e uma tosse da manhã. Eu melembro daquele dia. Nunca se tossiu tanto. Sujeitos se torciam eretorciam asfixiados. E, súbito, a tosse parou. Todo o Sanatorinhosabia que, no alto do morro, o Simão ia ver a tal mulher do risodesdentado. E justamente ela estava subindo a ladeira. Como na véspera,deu adeus; e todas as janelas e varandas retribuíram. Uma hora depois,volta o Simão. Foi cercado, envolvido: – “Que tal?”. Tinha uma luzforte no olhar: – “Tem amanhã outra vez”. Durante todo o dia, ele quasenão saiu da cama: – sonhava. Às seis, seis e pouco, um médico entra naenfermaria. Falou pra todos: – “Vocês não se metam com essa mulher queanda por aí, uma baixa. Passou, hoje de manhã, subiu a ladeira. Éleprosa”. Ninguém disse nada. O próprio Simão ficou, no seu canto, unsdez minutos, quieto. Depois, levantou-se. No meio da enfermaria, comose desafiasse os outros, disse duas vezes: – “Eu não me arrependo, eunão me arrependo”.
(RODRIGUES, Nelson. A menina sem estrela. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 132-3.)
A partir da convenção seguinte:
I.Animização
II.Metáfora
III.Metonímia
IV.Silepse
Preencha os parênteses com a adequada classificação das figuras de linguagem:
( )”… e todas as janelas e varandas retribuíram.”
( )”Campos do Jordão estava cheio de casos parecidos.”
( )”… Simão ia ver a tal mulher do riso desdentado.”
A sequência correta encontra-se em